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A coibição da violência política contra a candidata mulher: explicando o novo delito do Art. 326-B, do Código Eleitoral.

“UMA MULHER DEVE SER DUAS COISAS: QUEM É E O QUE ELA QUISER”

Dentro ou fora do lar, a mulher é violentada toda vez que algo lhe é imposto. Segundo a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a violência política é uma das principais causas de sub-representação de mulheres na política

A fim de impedir essa espécie de agressão, no último dia 04 de agosto de 2021, foi sancionada a Lei n.º 14.192/21, que define normas para a prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher (Lei n.º 14.192/21). A lei é de autoria da Deputada Rosângela Gomes (Republicanos/RJ) e tramitava no parlamento desde 2015.

O objetivo da nova legislação, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é criminalizar a violência política contra a mulher e garantir, a elas, condições melhores na disputa. A norma, além de estabelecer punições, conceitua a violação.

Na redação legal (art. 3º), considera-se violência política contra a mulher: “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher, bem como constituem igualmente ato de violência contra a mulher “qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e das suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.

A recente norma também altera o Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/65), a Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096/95) e a Lei das Eleições (Lei n.º 9.504/97), além de dispor sobre crimes de divulgação de fato ou vídeos com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral e assegurar a participação de mulheres em debates proporcionalmente ao número de candidatas nas eleições, número que também deve ser devidamente equilibrado.

Isso quer dizer, basicamente, que além da proibição à agressão política contra o sexo feminino, a participação política das mulheres passará a ser garantida, tornando-se vedada, outrossim, a discriminação e desigualdade de tratamento em razão de gênero ou raça nos acessos às instâncias de representação política e no exercício das funções públicas.

Dentre os impedimentos abarcados pela regulamentação, avista-se a desautorização de veiculação de propaganda eleitoral que gere discriminação à mulher e a penalização por divulgação de fatos inverídicos, com sanção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. 

A coibição da violência política por gênero ainda prenuncia que configura crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo, com pena de um a quatro anos e multa.

Destaca-se, por oportuno, que essa classe de delito não é cometida apenas por candidato ou parlamentar, sendo possível sua consumação por qualquer pessoa, contra candidata ou detentora de cargo eletivo. Para mais, fazendo analogia à Lei Maria da Penha, é possível que a norma seja aplicada à mulher transgênero, independentemente de realização de cirurgia de redesignação sexual.

Seguindo com menção à Lei Maria da Penha, destaca-se que muito embora a categoria de “violência política” não esteja prevista nesta norma n.º 11.340/06, que apenas registra as estirpes de violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, entende-se, na doutrina e jurisprudência, que o rol da Maria da Penha é exemplificativo, não taxativo. Isto é, admite-se a penalização desta natureza de agressão mesmo que não prevista na Lei mais protetora ao sexo feminino.

A legislação recém-inaugurada vai além e prevê novas causas de aumento de pena, de um terço até a metade, para quem incorre nos crimes contra a honra, quais sejam calúnia, difamação e injúria eleitoral, presentes no Código Eleitoral, em hipóteses de qualquer dos ilícitos ser cometido com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.

Faz-se imprescindível evidenciar, por conseguinte, que a norma não combate somente a discriminação de gênero, punindo, ainda, ações provenientes de desrespeito ou discriminação à cor, raça ou etnia da candidata ou da detentora de mandato eletivo. Todavia, para a efetivação da sanção, o crime tem de ser cometido com dolo, ou seja, vontade e ânimo de consumação. O agente ativo, isto é, aquele que praticou o delito, necessita pretender impedir ou dificultar a campanha eleitoral ou o desempenho do mandato eletivo de uma mulher.

A recente norma apresenta diversas inovações muito bem-vindas, visto que cerca de 90% da população mundial tem algum tipo de preconceito contra mulheres, de acordo com o Estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2020.

Para se ter uma ideia, o citado ensaio destaca que entre os consultados – pessoas de 75 países e territórios, os quais respondem por 81% da população mundial – aproximadamente 50% (metade da população) consideram que os homens são melhores líderes políticos do que mulheres. Outros 40% acreditam que os homens são melhores diretores de empresas.

A informação, embora cause tristeza, não provoca surpresas. Basta buscar por “machismo no parlamento” ou “violência contra candidatas e congressistas mulheres” nos sites de busca para descobrir que o Brasil, para além de tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, é um dos locais onde as mulheres mais sofrem com o sexismo. No País, por exemplo, 89,5% dos entrevistados pelas Nações Unidas expuseram deter ao menos um preconceito contra mulheres; e 52,39%, ao menos dois preconceitos, considerando as áreas apresentadas.

Entretanto, apesar das revoluções resultantes do regimento, ele se mostra insuficiente quando reverbera que o texto da Lei não considera crime modalidade de ação praticada contra pré-candidatas, porquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entende que a condição de candidato apenas é obtida a partir da formalização do pedido de registro de candidatura. Ademais, o ilícito não ocorrerá quando a vítima for apenas suplente e não estiver no exercício do mandato eletivo. 

Independentemente das falhas da legislação, é importante ressaltar que a Lei, em vigor desde o dia 05 do corrente mês, traz consideráveis reformas à Legislação eleitoral, ao alterar a Lei das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos e o Código Eleitoral, de uma só vez, para assegurar a participação da candidata mulher no debate eleitoral.

Assim, a nova Lei impõe o respeito ao equilíbrio no número de candidatos que disputarão o pleito eleitoral, determinando que, do número de vagas resultantes das regras previstas, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, lembrando que os partidos políticos deverão adequar seus estatutos ao disposto na Lei nº 14.192/2021 no prazo de 120 dias, contados a partir da data de sua publicação.

Percebe-se que o atual regramento procura, em suma, retirar das costas femininas o encargo de “escrava dos escravos”, como descreveu John Lennon quando enunciou: “A mulher é a escrava dos escravos. Se ela tenta ser livre, tu dizes que ela não te ama. Se ela pensa, tu dizes que ela quer ser homem”

Todos os dias as mulheres gritam por igualdade de gênero. O que aspiram não é transformar-se em homens, mas tornarem-se as mulheres que desejam ser. Dona de casa, advogada, médica, engenheira, arquiteta… ou política, termo proveniente do idêntico vocábulo “política”, que é substantivo literalmente “feminino”.

Link do artigo no jornal: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1362/o-novo-delito-de-violencia-politica-contra-a-mulher-art-326-b-codigo-eleitoral 

Autor: Dr. Iuri Cavalcante, CEO do Escritório Cavalcante Reis

Coautora: Dra. Thaynná Passos, Advogada Associada do Escritório Cavalcante Reis

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