“Foi uma causa. Hoje, é um direito humanitário reconhecido para todos”. Essa é frase de Silvana, filha de Maria Albani, que emprestou o seu nome ao diploma legal sancionado no último dia 02.09.2021. A nova Lei autoriza a realização de videochamadas entre familiares e pacientes internados, sem oportunidade de receber visitas.
Assim, a Lei n.º 14.198/21 garante o mínimo de uma ligação de vídeo diária aos enfermos nessas condições, considerando, para tanto, as avaliações médicas acerca do momento propício, vejamos: “Art. 2º Os serviços de saúde propiciarão, no mínimo, 1 (uma) videochamada diária aos pacientes internados em enfermarias, apartamentos e unidade de terapia intensiva, respeitadas as observações médicas sobre o momento adequado.”
O propósito da nova legislação é viabilizar um método cada vez mais humanizado de cuidado com os doentes. Os profissionais de saúde, caso entendam que o paciente não detém emocional estabilizado para essa espécie de confraternização com a família, necessitará fundamentar a contraindicação no prontuário do indivíduo debilitado.
Para mais, a regulamentação prevê que os hospitais têm a obrigação de preservar a confidencialidade da comunicação, bem como das imagens produzidas no momento da ligação de vídeo, além de determinar a assinatura de concordância por parte do paciente, de seus familiares e dos profissionais envolvidos, a fim de lavrar uma espécie de “Termo de Responsabilidade”.
A história por trás da fundação desse novo direito social gira em torno de uma das doze milhões de Marias do Brasil, que faleceu em decorrência do vírus da Covid-19, aos 93 anos, em abril de 2020. Antes da morte da mãe, a filha, Silvana, pôde ter contato – ainda que de longe, via ligação de vídeo – com Maria Albani . A despedida foi rápida, mas figurou como um acalento ao coração em luto.
Embora reconfortante, não foi fácil para Silvana conseguir olhar – mesmo que através de uma tela – nos olhos de sua mãe novamente. No momento em que soube do crítico estado de saúde de Dona Maria, a filha solicitou aos funcionários do hospital a oportunidade de ouvir a voz da genitora pela última vez.
Após receber o retorno negativo por parte da equipe do local , tratou de mobilizar céus e terra, entusiasmando os familiares, amigos, artistas, políticos e a mídia, com intuito de obter o direito à videochamada. Afinal de contas, a ternura materna “é o combustível que capacita um ser humano comum a fazer o impossível”.
Percebendo a importância daquele momento para sua vida, a filha de Maria, nome da mais conhecida madre da história – a de Nazaré – coletou cerca de 120 mil assinaturas em uma petição on-line, que objetivava justamente a institucionalização dessa regulamentação. A ideia utópica era de que a toda população pudesse usufruir do benefício. Mais uma Mãe-Maria faz a diferença!
A romaria gerou resultados e o projeto de lei foi devidamente elaborado para a efetivação da garantia de videochamadas a pacientes. Para se ter uma ideia da praticabilidade das comunicações de vídeo nessas circunstâncias, o Governo do Estado de Pernambuco, antes da concretização da legislação, já havia elaborado o programa “Visita.com”, que obtém por base a implantação de uma rotina de videochamadas a pacientes internados – inclusive em unidades de terapia intensiva ( “UTI”) – para com os familiares mais próximos.
O “último legado” de Dona Maria, como bem qualificou Silvana, assegura humanização aos hospitalizados, sem contato com a família, amigos e companheiros. Tendo em vista que os direitos humanos, de acordo com a Organização das Nações Unidas ( “ONU”), reconhecem e protegem a dignidade de todo ser humano, assim como regem o modo como as pessoas vivem em sociedade e entre si, sempre será bem-vinda toda norma que visa garantir um afeto ou alento (ainda que remoto).
A Pandemia de Covid-19, em conjunto com o vírus, trouxe consigo a solidão. Todavia, quando se trata de indivíduos hospitalizados, o exílio tem potencial de se fazer ainda mais dolorido – para além da dor física. Assim, dado que o Coronavírus trocou a união de corpos e o agrupamento de pessoas, por telas de celulares ou computadores, o contato da pessoa enclausurada em uma unidade de saúde com outras pessoas, seja através da web, seja através de um smartphone, é edificante e melhora o seu quadro clínico como um todo ou, no pior dos casos, possibilita uma despedida digna.
A Lei n.º 14.198/21 estabelece que durante as videochamadas devam ser observados os protocolos sanitários que a crise de saúde atual demanda, inclusive conquanto aos equipamentos eletrônicos manipulados.
Ademais, a norma expõe que os encontros virtuais podem ocorrer até mesmo em caso de pessoas inconscientes. Nessa situação, a autorização precisa ter sido obtida previamente, pelo próprio paciente enquanto gozava de capacidade de se expressar de forma autônoma, ainda que oralmente, ou por familiar.
Dona Maria Albani de Andrade Nunes partiu dois dias após a prosa de quinze minutos, deixando Silvana e outros três filhos. A descendente utilizou o diálogo para despejar todo o seu carinho nos braços da genitora. Silvana enunciou: “Disse tudo para minha mãe. Do amor que eu sentia por ela, do quanto eu era grata por ela ter sido minha mãe, que ela era perfeita e que ela fosse em paz, pois estava tudo certo e um dia a gente se encontraria”. É esse o estímulo do regulamento.
As unidades de saúde serão os responsáveis pela instrumentalização da norma, bem como pela execução da logística de aparelhamento. Por isso, em hipótese de descumprimento da regra por serviço de saúde privado, é perfeitamente cabível a imposição de penalizações administrativas por violação de mandamentos de defesa do consumidor, não se olvidando, ainda, a probabilidade de indenização por danos morais. Sendo o hospital pertencente ao serviço público de saúde, ao funcionário responsável pela desobediência à norma poderá, também, ser atribuída sanção por improbidade administrativa.
Com efeito, os direitos humanos são universais e inalienáveis. Isto é, todo indivíduo é sujeito de direitos tido como humanos e nenhuma pessoa, seja qual for, detém a autoridade de abrir mão dessas imunidades.
Mais! Ninguém pode forçar outrem a abdicar das prerrogativas, tampoucotomá-las ou reduzi-las de qualquer modo. Por assim dizer, as garantias aqui dispostas são intrínsecas à dignidade da pessoa humana, princípio norteador da Constituição Cidadã de 1988, presente, inclusive, em seu primeiro artigo.
Consequentemente, a despeito de todas as diferenças físicas, intelectuais, psicológicas e assim por diante, todos os indivíduos são detentores de igual dignidade. Isso porque, embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua condição humana, as mesmas necessidades e faculdades vitais.
Em outras palavras, a dignidade é basicamente um atributo da pessoa humana pela simples realidade de alguém “ser humano”, se tornando involuntariamente merecedor de respeito e acolhimento, não interessando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição socioeconômica. Immanuel Kant, o principal filósofo da era moderna (que dispensa apresentações), já expressou: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.
Olhar para quem se ama, talvez pela última vez, está em um nível, por certo, acima de todo preço. Portanto, essa dignidade humana carece ser estimada e devidamente exercida. Estaremos de olho para verificar o cumprimento da nova legislação.
Para mais informações sobre a Lei 14.198/21 e o direito a videochamadas para pacientes internados e impossibilitados de receber visitas, acesse o Blog do Colunista Iuri Cavalcante Reis no site www.cavalcantereis.adv.br e deixe suas dúvidas nos comentários ou através do e-mail iuri@cavalcantereis.adv.br. Artigo escrito em coautoria com a advogada Thaynná de Oliveira Passos Correia, da equipe do Cavalcante Reis Advogados (@cavalcantereisadvs).
Link do artigo no jornal A Gazeta do Amapá: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1464/a-nova-lei-maria-albani-explicando-o-direito-a-videochamadas-aos-pacientes-internados