No artigo de hoje, o foco será fazer uma breve análise do crime de peculato, que tantas e tantas vezes ouvimos falar nos jornais, em meio às notícias atinentes a operações e investigações, ao passo que a explicação do que, de fato, significa esse tipo penal quase não se é difundida. Então, aqui vamos nós: Como se dá a prática do crime de peculato, segundo o Código Penal?
O crime de peculato tem objetivo de punir funcionário público que, em razão do cargo, tem a posse de bem público e se apropria ou desvia o bem, em benefício próprio ou alheio.
O tipo penal encontra definição no artigo 312, do Código Penal, prevendo pena de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa. A legislação penal brasileira prevê também a modalidade culposa do crime de peculato, que ocorre quando o servidor público não teve intenção de cometer o crime, bem como o “peculato mediante erro de outrem”, casos em que o servidor incorre em erro de outra pessoa, disposto no artigo 313 do mesmo Código.
A partir na análise do tipo penal, percebe-se, ainda, que o sujeito ativo do crime de peculato é o funcionário público no exercício do cargo ou função. Entretanto, quem é, verdadeiramente, considerado funcionário público?
A legislação pátria, para fins jurisdicionais, adota entendimento amplo a respeito do que representa funcionário público. Dessa forma, há probabilidade de um mesmo indivíduo que trabalha em empresa privada, mas exerce atividade típica da Administração Pública, ser considerado funcionário público, para fins legais.
Como exemplo comum, tem-se a empresa terceirizada que realiza o recolhimento de lixo e de rejeitos em uma determinada cidade. Seus funcionários, sob a ótica do tipo penal em análise, são considerados funcionários públicos.
Nesse contexto, é interessante transcrever o entendimento de Nucci com relação ao sujeito desse crime: “o sujeito ativo somente pode ser o funcionário público. O sujeito passivo é o Estado; secundariamente, a entidade de direito público e o particular prejudicado”.
Agora, recapitulando o citado anteriormente, no que tange às espécies do gênero peculato, tem-se:
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.
- 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
- 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano.
Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Itera-se que o crime de peculato possui particularidades, quais sejam suas subdivisões. O peculato-apropriação está presente no artigo 312, caput, primeira parte, sendo notado quando a ação material do agente consiste na apropriação do bem.
Já o peculato-desvio, é alcançado na segunda parte do mesmo artigo e desenrola-se quando há o descaminho ou deslocamento de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, em posse de servidor público, em razão do cargo. Ambos os mencionados são entendidos como peculato próprio.
No mesmo artigo, todavia, no parágrafo 1º, encontra-se o peculato-furto ou peculato impróprio. Nessa modalidade, o sujeito também é um agente público, neste caso, que não possui o produto do ilícito, contudo, valendo-se da facilidade que seu cargo, emprego ou função lhe concede, subtrai ou concorre para que seja subtraída coisa do ente público ou de particular, desde que esteja sob custódia da administração pública.
Por conseguinte, elenca-se o peculato-culposo, no parágrafo 2º do já citado artigo. Este dar-se-á sempre que a conduta do sujeito ativo for perpetrada por negligência, imperícia ou imprudência.
Tal modalidade é exceção no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que somente será punida se houver previsão legal. Além disso, não admite a figura da tentativa, pois não é possível haver fracionamento do iter criminis.
Ao final, vê-se o peculato mediante erro de outrem, abarcado no artigo 313, caput, do Código Penal. Em que pese nas demais modalidades seja notada uma conduta comissiva por parte do agente, na presente espécie, o agente age por omissão.
Nessa conjectura, o agente se apodera do bem que recebeu por erro de outro. Reverbera-se, nesse caso, que é indispensável que o terceiro tenha praticado a conduta errônea e espontaneamente, pois caso contrário o delito será de estelionato ou concussão.
Salienta-se que o fato de um funcionário público se apropriar de dinheiro não configura o crime de peculato. É imprescindível aferir as condições de obtenção da quantia, ou seja, de que forma o montante foi, a esse funcionário, confiado.
Interessante ressaltar que é habitual que as pessoas confundam o crime de peculato com o tipo penal de apropriação indébita, que muito embora se assemelham, possuem distinções cruciais.
No crime de apropriação indébita, a posse do bem se dá por qualquer motivo e a qualquer pessoa, ao contrário do tipo do peculato, que restringe o agente ativo ao funcionário público e, ainda, no exercício do cargo ou função. Ou seja, a posse de bem ou serviço, que se destinou em proveito próprio ou de terceiros, deve estar relacionada ao cargo que o funcionário público ocupa.
Ademais, o crime de peculato é formalizado independentemente de o funcionário público ter tido vantagens ou não advindas do fato ilícito. Assim, a ação que configura o crime é tão somente o desvio do bem em proveito próprio ou alheio.
No que concerne à aplicabilidade do Princípio da Insignificância no delito ora em questão, bem como todos os outros cuja administração pública figura como sujeito passivo, inúmeras são as divergências entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Contudo, como já fora aqui explicitado, o Supremo Tribunal fixou entendimento no sentido de que se fazem necessários quatro requisitos para a aplicação do Princípio da Insignificância, quais sejam: mínima ofensividade na conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O início das discussões quanto à aplicabilidade do Princípio da Insignificância nos crimes contra a administração pública, em especial, o crime de peculato, se deu com a consolidação dos requisitos necessários.
As diferentes aplicações dos Tribunais Superiores se dão no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça, majoritariamente, compreende o princípio da insignificância como inaplicável a esses tipos penais, porque, nesses casos, existiria grave ofensa à moralidade administrativa, o que faria com que o requisito do reduzidíssimo grau de reprovabilidade na conduta do comportamento do agente não fosse atingido. Todavia, o STJ, aplica fortuitamente o Princípio da Insignificância aos crimes de peculato.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado de que o princípio da insignificância é cabível nos crimes de peculato. O STF entende que os crimes de pouca monta, ou seja, de valores baixos, ainda que praticado por funcionário público, podem ser atingidos pelo Princípio da Insignificância, que em português mais claro, significa que o Direito não deve preocupar-se com condutas incapazes de lesar o bem jurídico.
Por tudo anteriormente escrachado, percebe-se que, muito embora o crime de peculato seja gênero-mãe de diversas subespécies, há que se atentar às distinções que os diferenciam, mesmo que muitas vezes sutis. Sendo assim, é possível que um indivíduo praticante de peculato-culposo seja visto ou compreendido como agente ativo de outra categoria mais grave do ilícito. Vivendo e aprendendo. Seguimos.