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Tráfico de Pessoas: o variado perfil das vítimas e a condenação do Facebook

O tráfico de pessoas é uma realidade em todos os países, mas ainda pouco debatida no Brasil. Em um nível global, representa o terceiro negócio ilícito mais rentável do mundo, ficando atrás apenas do comércio de drogas e armas. O faturamento anual estimado é de US$ 32 Bilhões de dólares. 

O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, lançado em Viena, aponta que cerca de 50 mil vítimas foram detectadas em 148 países em 2018. Conforme a página oficial das Nações Unidas, as pessoas do sexo feminino continuam sendo os alvos principais. Quase metade das vítimas identificadas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas. Nos últimos 15 anos, o número de vítimas aumentou e alterou o perfil. A proporção de mulheres adultas caiu de mais de 70% para menos da metade. Em relação às crianças, a alta foi de cerca de 10% para mais de 30%, e segue aumentando. 

Os alvos preferidos dos traficantes são os mais vulneráveis, como migrantes, crianças, e pessoas sem emprego. O traço em comum que as une é justamente a situação de vulnerabilidade. Para se ter uma ideia, a proporção de meninos traficados aumentou cinco vezes, visto que este grupo é o mais usado para trabalhos forçados. 

O estudo da ONU alerta que a Covid-19 agravou a tendência geral de piora no tráfico de pessoas. O receio é que a recessão causada pela pandemia exponha ainda mais pessoas em situação de vulnerabilidade ao risco de tráfico. Crianças fora da escola e o desemprego em alta são fatores que favorecem a exploração sexual. 

Os traficantes veem suas vítimas como mercadorias, mudando o perfil das pessoas de acordo com a forma de exploração. Enquanto os homens e meninos são utilizados para o trabalho forçado, as mulheres e meninas sofreram mais com a exploração sexual. Cerca de 1% das vítimas no período analisado foram coagidas a mendigar e um número menor constrangidas a casamentos forçados, remoção de órgãos, dentre outros fins. 

internet, por seu turno, permite que os traficantes transmitam ao vivo a exploração de suas vítimas, o que proporciona a transmissão simultânea do abuso de uma vítima por vários “consumidores” em todo o mundo. Além disso, muitas pessoas são abordadas por traficantes nas redes sociais, sendo um alvo fácil por estarem buscando aceitação, atenção ou amizade. 

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, também chamado de UNODC, com sede em Viena, na Áustria, possui braços em todas as regiões do mundo por meio de seus programas globais. No Brasil, o UNODC está presente desde 1991 e possui um escritório de Ligação e Parceria em Brasília/DF, e funcionários em todas as 27 unidades da federação. 

O citado Escritório das Nações Unidas (UNODC) apresentou recentemente o Relatório Situacional Brasil: tráfico de pessoas em fluxos migratórios mistos, em especial de venezuelanos, cujo objetivo é transformar alertas em respostas da justiça criminal para combater o tráfico de pessoas em fluxos migratórios. 

Implementada em parceria com a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, a iniciativa conta com o apoio do Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado dos Estados Unidos. 

O relatório analisou dados quantitativos e qualitativos com o objetivo de melhor compreender questões relativas ao tráfico de pessoas e fluxos migratórios no Brasil. Ao final, foram apresentadas informações sobre a dinâmica do crime, o perfil das vítimas e a resposta do sistema de justiça no país, chegando a duas conclusões. 

A primeira é a vulnerabilidade pessoal, ou seja, o estudo aponta que ser membro da comunidade LGBTQI+ é um fator que aumenta a vulnerabilidade ao tráfico de pessoas no contexto de fluxos migratórios mistos. Segundo os profissionais entrevistados, os grupos mais vulneráveis ao tráfico de pessoas, nesse contexto, são: mulheres, crianças ou adolescentes desacompanhados ou separados; crianças e adolescentes; e população LGBTQI+. 

A segunda é a vulnerabilidade contextual, sendo que a falta de uma ocupação é o principal fator de risco contextual para a vitimização de migrantes e refugiados ao tráfico de pessoas, em especial de venezuelanos. Além disso, outros principais fatores de risco incluem: a falta de acesso à moradia, à alimentação, à informação e a serviços de assistência social, educação e saúde. 

No caso dos venezuelanos, os setores da economia formal ou informal em que venezuelanos podem estar sendo explorados são, principalmente, o trabalho doméstico, a agricultura, fazendas familiares e o setor de serviços 

Com efeito, a UNODC identificou duas as estratégias utilizadas pelos traficantes: a “caça” quando ele persegue ativamente a vítima, via de regra, nas redes sociais e a “pesca” quando se publicam anúncios de emprego. 

Uma forma comum de abordagem pelos traficantes são as promessas de emprego. O suposto “empregador” custeia a passagem ou o local de moradia da vítima, que deve pagar os custos com o seu trabalho, sendo uma dívida que nunca acaba. Em outros casos, as vítimas mudam de países ou cidades acreditando que será garçonete ou modelo e, na realidade, serão exploradas sexualmente. 

Nas tendências regionais, a exploração sexual é a que mais domina. Este é o caso da Europa, Américas e Caribe. Na América do Sul, mais de um terço das vítimas vai para o trabalho forçado, que domina o tráfico na África Subsaariana e na Ásia. 

Em geral, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% envolvidas em atividades criminosas forçadas. A publicação alerta para milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que venha a piorar o tráfico de pessoas no cenário pós pandemia de covid-19. 

O assunto é motivo de revolta em todo o mundo e levou o Tribunal Superior do Texas, Estados Unidos, a decidirem, no dia 25.06.2021, que as vítimas de tráfico sexual, ou de tráfico humano, podem processar o Facebook, bem como TwitterInstagramGoogle e outras empresas de mídia social, por permitirem o uso de suas plataformas para atividades criminais, em violação das leis do Texas, segundo a decisão. 

No caso julgado pela Corte norte-americana, três ações foram movidas contra o Facebook por promotores do Texas, com base em queixas de três adolescentes (uma de 15 anos e duas de 14 anos), que foram recrutadas com falsas promessas, através do sistema de mensagens da plataforma. A promessa era de uma vaga de emprego como modelo, mas o sonho virou pesadelo quando foram obrigadas a se prostituir. Uma das meninas foi recrutada por meio do Instagram, aplicativo de propriedade do Facebook

A fundamentação da promotoria do Texas, nessa circunstância, emanou da alegação de que a rede social não advertiu as adolescentes aliciadas, tampouco empenhou-se em bloquear oportunidades de tráfico sexual, menos ainda, tentou impedir o crime. 

De outro lado, os advogados do Facebook alegaram que a empresa é protegida pela Seção 230 da Lei da Decência em Comunicações (Communications Decency Act), a qual dispõe que as plataformas da mídia social não são responsáveis pelas postagens de seus usuários. Além disso, prometeram tomar medidas mais agressivas para combater o tráfico humano. 

Contudo, o Tribunal Superior do Texas decidiu que tais dispositivos não se aplicam no caso de tráfico sexual. Segundo o site da Conjur, o CEO do Human Trafficking Institute (Instituto Contra o Tráfico Humano, dos EUA), expôs que “a internet se tornou uma ferramenta dominante dos traficantes para recrutar vítimas. Eles usam diversos websites da rede social, mas o Facebook é disparadamente o mais usado para essa finalidade”

No Brasil, o cenário é ainda pior. De acordo com dados publicados pela Secretaria de Políticas para Mulheres do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nos anos de 2014 a 2016, foram registradas 745 denúncias de tráfico de pessoas, somente através do Disque 180. Levando em consideração que entre 2012 e 2013 foram registradas 398 comunicações através do mesmo canal, estamos numa perigosa crescente. 

O crime de tráfico de pessoas é o que se pode intitular de “subterrâneo” ou “subnotificado”, tendo em vista a árdua detecção e apuração, isso sem falar na vergonha e receio das vítimas em denunciar, por medo de autênticos veredictos travestidos de críticas. 

A progressão desse número ocorre mesmo após a promulgação do Protocolo Adicional da ONU Contra o Tráfico Humano (Protocolo de Palermo), através do Decreto n.º 5.017/14, o que evidencia a ineficiência nacional para o combate do mercado de pessoas. 

Como quase todo problema intrínseco ao Brasil, o tráfico de pessoas encontra amparo sólido na desigualdade social e econômica. Uma das formas de abordagem mais comuns são as promessas de emprego, como no caso das adolescentes do Texas, por exemplo. O suposto empregador se oferece para custear a passagem e alojamento da hipotética subordinada, que, quando se percebe vítima, já conserva dívida interminável, que deve quitar com trabalho – em prevalência, com prostituição. 

A extrema pobreza quase tão inerente ao Brasil quanto o samba revela um lado que poucos querem conhecer. Não é tão agradável aos ouvidos quanto a música, mas o silenciamento torna cada vez mais obscura a natureza desse crime. Nesse contexto, recorro à analogia de que a miséria pode ser tida como a Hidra, criatura da mitologia grega, uma espécie de monstro com sete cabeças que se regeneram em dobro quando cortadas. 

Fechar os olhos para a situação de carência de grande parte da população é como cortar a cabeça da Hidra. A ação (ou omissão) apenas faz com que o cenário não mude, e ainda piore. É necessário fiscalizar se as redes sociais, como WhatsAppFacebookInstagramLinkedinTwitterSnapchatBadoo, dentre outras, estão agindo no sentido de coibir tais comportamentos em suas plataformas, evitando o aliciamento de pessoas, em especial crianças e adolescentes, bem como identificando perfis suspeitos e denunciando a autoridade policial. 

A legislação brasileira deve seguir avançando para criar mecanismos que coíbam o tráfico de pessoas em nosso território nacional, criando canais de denúncias específicos e anônimos, além de responsabilizar as plataformas em caso de omissão no enfrentamento do tema, tudo com objetivo de encorajar a vítima denunciante e a estimular a proteção as pessoas em situação de vulnerabilidade, que são as principais vítimas desse tipo penal. 

Para mais informações sobre a decisão do Tribunal estadunidense que responsabilizou o Facebook no caso do tráfico de pessoas, acesse a página do Colunista no site www.cavalcantereis.adv.br e deixe suas dúvidas nos comentários ou através do e-mail iuri@cavalcantereis.adv.br. Artigo escrito em coautoria com a advogada Thaynná, da equipe do Cavalcante Reis Advogados. 

Link com a reportagem completa: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1242/trafico-de-pessoas 

Autor: Dr. Iuri Cavalcante, CEO do Escritório Cavalcante Reis

Coautora: Dra. Thaynná Passos, Advogada Associada do Escritório Cavalcante Reis

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