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TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: UM VERDADEIRO GANHA-GANHA ENTRE ESTADO E DEVEDORES

 O Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) foi criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, nos termos do art. 103-B da Constituição Federal. Trata-se de um órgão do Poder Judiciário com sede em Brasília/DF e atuação em todo o território nacional. 

Nesse desiderato de aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, o CNJ determinou que juízes atuantes em demandas tributárias devem, sempre que possível, procurar o resultado consensual da demanda, incentivando a negociação, o ajustamento ou a transação tributária. 

Na orientação, que compõe o ato normativo aprovado na 95ª sessão virtual, o referido Conselho Nacional recomenda, ainda, que os magistrados fomentem, além das soluções obtidas por consenso, a utilização de arbitragem para a resolução das lides, aplicando-se, para tanto, os dispositivos do Código de Processo Civil (“CPC”). 

Na ocasião, evidenciou-se a existência de 26,8 milhões de execuções fiscais tramitando no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 87,3%. Em uma breve analogia, é como se fosse um grande engarrafamento de uma metrópole como São Paulo. Ou pior. 

Por isso mesmo, as audiências de conciliação, previstas no CPC, devem ser realizadas também quando a lide envolve questões tributárias, excluindo-se a obrigatoriedade somente em hipótese de a Administração Pública evidenciar a impossibilidade legal de um eventual arranjo. 

Não só. Agora, é perfeitamente cabível que os Juízes e Desembargadores proponham aos Tribunais a especialização de Varas com aptidão exclusiva para processar e julgar ações que contestam a cobrança de tributos. Isso tudo com o intuito de acelerar a tramitação dos autos. 

Os magistrados, do mesmo modo, possuem a incumbência de estimular o empresário e a empresa com recuperação judicial em curso a submeter-se à proposta de transação relativa a créditos inscritos em dívida ativa da União ou de outros entes. Mas em que, de fato, consiste a transação tributária? 

Comecemos do começo: transação, em suma, deduz um pacto entre duas partes, enquanto ambas ambrem mão de algum ponto específico para, então, concluírem uma questão ou confronto. Nesse sentido, a transação tributária pode ser percebida como uma combinação entre contribuinte e tributante, visando a extinção das dívidas do primeiro. 

O acordo é visto como uma luz no fim do túnel para que o devedor, finalmente, consiga regularizar suas operações, resguardando-se de impactos na certidão negativa e de possível bloqueio de bens. 

Muito embora, pelo buchicho que tem gerado nos últimos meses, pareça um instituto revolucionário, a transação tributária não é novidade, porquanto a previsão legal consta no Código Tributário Nacional (“CTN”) desde 25 de outubro de 1966. 

Contudo, é fato que o dispositivo, até pouco tempo, apenas preenchia o Código, sequer sendo utilizado ou, ainda, se empregado, manipulado de forma genérica, indistintamente às pessoas jurídicas e físicas, sem considerar a capacidade de pagamento e endividamento de cada um. 

Apenas a partir da edição da Medida Provisória n.º 899 de 16 de outubro de 2019, que se converteu na Lei n.º 13.988, de 14 de abril de 2020, foi dado aplicabilidade ao regulamento, que prevê benefícios como, por exemplo, a extinção do crédito tributário, o parcelamento da dívida, descontos no valor total, extensão do prazo de pagamento e entrada com valor reduzido. 

Prestou atenção nas datas? Isso mesmo! Muito embora a grande maioria acredite que o instituto tenha surgido a partir da pandemia de Covid-19, a norma foi proposta antes da chegada do vírus ao território nacional. Porém, não há hesitação em expressar: a regra foi extremamente providencial, tendo em vista que o Coronavírus atingiu sobremaneira as pessoas – físicas ou jurídicas – em todos os âmbitos. O campo econômico não ficou de fora. 

A legislação enuncia três situações para a aplicabilidade da transação tributária. Primeiramente, a regulamentação se dedica aos débitos inscritos em dívida ativa da União que sejam reputados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Posteriormente, há outra modalidade, destinada aos créditos tributários com relevante e disseminada controvérsia jurídica, isto é, em conflito judicial. 

Por último, é possível perceber a modalidade que incorpora os débitos em discussão administrativa junto à Receita Federal que não tenham figurado como objeto de ação judicial – incluindo os de pequeno valor, ou seja, aqueles que, na data da aderência à lei, não sejam superiores a sessenta salários-mínimos. 

Importante ressaltar: ainda estão disponíveis numerosas perspectivas de acordos de transação hábeis para desconto ou parcelamentos, junto à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) e, outrossim, na Receita Federal. Nesta última, por exemplo, o Edital de Transação por Adesão n.º 01, de 24 de junho de 2021, possui prazo previsto para até o dia 30 deste mês. 

O edital abrange tanto pessoas físicas quanto jurídicas e abarca débitos intitulados como de “pequeno valor” (aqueles já mencionados, de montante igual ou menor a sessenta salários-mínimos). As dívidas – englobando o montante de entrada – poderão ser parceladas em até sessenta vezes e, não se olvida, ainda, que o desconto é capaz de chegar a 50% da cifra total. 

Mas desconto não é a única prerrogativa, uma vez que prevê, ainda, o diferimento ou moratória no pagamento, flexibilização das regras de aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias, utilização de créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União e de precatórios próprios ou de terceiros para amortização do saldo devedor, escalonamento nas prestações do parcelamento e flexibilização das regras para penhora ou alienação de bens. 

No âmbito da PGFN, há a previsão de incontáveis modalidades de parcelamentos, cada um com seu respectivo regulamento e estruturação junto à plataforma do sistema batizado de “Regularize”. É o caso, por exemplo, da transação individual, que indica, no processo de negociação, a aplicação de muitos benefícios a partir do perfil do contribuinte. 

Em ambas as hipóteses, o atraso na liquidação de três ou mais prestações –vencidas no último dia útil de cada mês – sejam consecutivas ou alternadas, enseja a rescisão do parcelamento e o prosseguimento da cobrança no valor integral. 

A anulação do acordo ocorre, igualmente, mediante o (i) descumprimento das condições/cláusulas, das obrigações previstas nas portarias de regência ou dos compromissos assumidos; (ii) da constatação, pela PGFN, de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente a sua celebração; (iii) a decretação de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente; (iv) além da inobservância de quaisquer disposições previstas na lei de regência da transação. 

No que tange a estes considerados “maus pagadores” com benefício devidamente revogado, é vedada, pelo prazo de dois anos contados da data de cancelamento do pacto, a celebração de nova transação, ainda que referente à débitos distintos. 

Observa-se, consequentemente, que Lei n.º 13.988/2020, além de surgir em um momento oportuno, possui o espírito nobre, na medida em que a transação tributária objetiva viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira das micro e pequenas empresas, estimulando o incremento do ambiente de negócio destas corporações, garantindo a segurança jurídica e redução dos litígios processuais. 

No entanto, é importante ressaltar que, apesar de a regulamentação demonstrar especial cuidado com as micro e pequenas empresas, a transação tributária é capaz de alcançar empreendimentos de todos os portes. Sim! Qualquer empresa pode ser beneficiada pela norma. 

Ah! Os descontos não ficam restritos aos 50% já mencionados. Estas micro e pequenas empresas poderão ter abatimentos de até 70% e parcelamento em até cento e quarenta e cinco vezes, por exemplo. É o caso, também, de empresas em recuperação judicial, das que ainda estejam na sua fase inicial, das Santas Casas, das Instituições de Ensino e das pessoas físicas. 

Nota-se, portanto, que qualquer contribuinte que possua débitos de tributos federais – incluindo Simples Nacional – pode ser beneficiado pelo instituto, com distintas formas e direitos, a partir do perfil de cada devedor. Entretanto, em uma coisa todas as modalidades se assemelham: o valor da parcela não poderá ser inferior a cem reais. 

De acordo com o rating haverá diferentes descontos sobre juros e multas incidentes sobre os débitos transacionados, sendo que quanto pior o rating maior será o desconto aplicado. A definição leva em conta critérios como: (i) a existência de garantias válidas; (ii) histórico de pagamentos do proponente; (iii) tempo de inscrição dos débitos em dívida ativa; (iv) capacidade de solvência (v) perspectiva de êxito do Estado na demanda incluída na proposta; bem como o (vi) custo da cobrança judicial das dívidas incluídas na proposta, competindo ao Subprocurador Geral do Contencioso Tributário-Fiscal disciplinar a aplicação dos referidos critérios para fins de apuração do rating. 

Constata-se, consequentemente, que a Lei nº 13.988/2020, apesar de apenas ter validado dispositivo previsto desde 1966, simboliza uma inovação que chega em boa hora – levando-se em consideração o mau momento dos empreendimentos nacionais – uma vez que otimiza o recebimento de recursos por parte do Estado, flexibiliza o formato de quitação de débitos junto à Receita Federal e à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, além de privilegiar a chamada “justiça multiportas”. 

O instituto, por certo, tem o condão de ser “revolucionário”, contudo, ainda caminha a passos lentos. Em julho deste ano, 2021, o estado de São Paulo – a maior metrópole brasileira – fechou seu primeiro acordo de transação tributária individual. 

O ajuste foi firmado pela Procuradoria Geral do Estado com uma pessoa jurídica do setor de eletrônicos e suprimentos de informática. O acerto de contas – dessa vez utilizando a expressão em sua literalidade – proporcionou um desconto de 13 milhões à empresa, além de concessões processuais em execuções fiscais e ação penal em curso. Vale lembrar que o parcelamento e o pagamento do débito tributário trarão benefícios também na seara criminal na hipótese de o Ministério Público ter oferecido a denúncia e instaurado a persecução penal. 

Com efeito, a concretização da transação se mostrou “um verdadeiro ganha-ganha entre Estado e devedores”. Afinal de contas, “pequenas oportunidades são, muitas vezes, o começo de grandes empreendimentos” ou, pelo menos, a continuidade deles. Em época de crise no ambiente de negócios, a efetivação de um acordo tributário pode ser tida como o mais rentável dos lucros. 

Para mais informações sobre a solução consensual de conflitos tributários e as formas como efetivar a transação tributária, acesse o Blog do Colunista Iuri Cavalcante Reis no site www.cavalcantereis.adv.br e deixe suas dúvidas nos comentários ou através do e-mail iuri@cavalcantereis.adv.br. Artigo escrito em coautoria com a advogada Thaynná de Oliveira Passos Correia, da equipe do Cavalcante Reis Advogados. (Instagram @Cavalcantereisadvs). 

Link do artigo no site do jornal A Gazeta do Amapá: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1692/transacao-tributaria-um-verdadeiro-ganha-ganha-entre-estado-e-devedores

Autor: Dr. Iuri Cavalcante, CEO do Escritório Cavalcante Reis

Coautora: Dra. Thaynná Passos, Advogada Associada do Escritório Cavalcante Reis

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