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REFORÇANDO A PROTEÇÃO DE VÍTIMAS E TESTEMUNHAS DE CRIMES SEXUAIS: a nova Lei Mariana Ferrer

Na última terça-feira, 23.11.2021, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n.º 14.245/2021, intitulada como “Lei Mariana Ferrer”. Em breve resumo, a norma reforçou a punição em relação a atos que atentem contra a dignidade das vítimas de violência sexual e de testemunhas durante as audiências de instrução e julgamentos no âmbito do Poder Judiciário. 

A regulamentação, sancionada sem vetos, é proveniente do Projeto de Lei n.º 5.096/2020, aprovado pelo Senado Federal em outubro do corrente ano (2021), em pauta devotada para propostas da bancada feminina, caracterizando o encerramento do mês dedicado às mulheres, batizado de “outubro rosa”

A norma promove alterações no Código Penal, Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95), com objetivo especifico de “coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.” 

Quanto à coação no curso do processo, o delito compreende a utilização de violência ou grave ameaça contra as partes de processos judiciais, a fim de beneficiar interesse próprio ou alheio. 

O crime, que é passível de punição de um a quatro anos de reclusão além de multa, tem a penalização aumentada de um terço até a metade quando atinge vítimas de crime sexuais. 

O Código Penal também sofreu outras alterações relevantes como, por exemplo, o acréscimo do artigo 400-A. O citado dispositivo reverbera que, na audiência de instrução e julgamento e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, –“todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas: I – a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; II – a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.”– 

Como visto, dentre as ações que ensejam a responsabilização civil, penal e administrativa, estão a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos e a utilização de linguagem, informações ou materiais aptos a ofenderem a dignidade da vítima. 

As recentes alterações legislativas são decorrentes da reação e repulsa da população frente as ações que se desenrolaram durante o julgamento da influenciadora digital Mariana Ferrer – por isso o nome da lei – após a depoente denunciar o delito de estupro de vulnerável (uma vez que revelou estar dopada durante o ato) em festa na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina. 

O acusado, durante o exercício de sua defesa na audiência de instrução e julgamento, ressaltou referências à vida pessoal de Mariana, servindo-se, até mesmo, de fotografias da vítima de biquini, vestidos curtos e em outras festividades. 

Ferrer sustenta que as fotos foram, em verdade, manipuladas. Ocorre que, verdadeiros ou não, os registros fotográficos atribuíram a pecha de promíscua à depoente por, simplesmente, utilizar trajes curtos em festas e de banho em piscinas. O réu foi inocentado por falta de provas, vela destacar. 

Contudo, a condução do processo foi alvo de diversas críticas Brasil afora, inclusive por Senadoras da República, o que propiciou o surgimento do projeto de lei. Rose de Freitas, Senadora da República eleita no estado do Espírito Santo pelo partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB-ES), evidenciou que a regulamentação é “um passo na direção de recuperar a justiça para as mulheres”. 

Com efeito, é importante salientar que a norma visa promover a dignidade da pessoa humana, garantia inerente a todo e qualquer indivíduo, amparando tanto a vítima quanto testemunhas contra tratamentos degradantes, discriminações e preconceitos, assegurando as mulheres condições materiais de sobrevivência pacífica. 

A Constituição, denominada de “cidadã” por algum motivo, trouxe a dignidade da pessoa humana logo em seu primeiro artigo, apresentando-se como noção primária do País. 

É inadmissível, tão logo, que, em pleno século XXI – com o perdão do clichê – sejam utilizados expedientes humilhantes e insultuosos para com vítimas de crimes, especialmente quando se fala de delitos pautados em violência sexual. 

Até porque a bandeira da dignidade da vida humana despontou antes mesmo da criação do primeiro hamburguer (em 1904, caso queira saber). 

O princípio emergiu em meados dos séculos XVII e XVIII, a partir do Iluminismo, ascendendo ainda mais quando da Revolução Norte-Americana, culminando na independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, que apresentou ao mundo a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. O instituto, todavia, foi lapidado com o tempo, com foco nas convenções que geraram diversos tratados internacionais, em especial a Convenção de Genebra. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, concebida em 1948 pela Organização das Nações Unidas, também possui enorme importância, uma vez que possui sua gênese na salvaguarda às pessoas, influenciando os direitos e garantias dos indivíduos até hoje. 

Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana preserva a condição humana de toda e qualquer gente, amparando a vida com dignidade. Isso quer dizer, em síntese, que as pessoas devem ser tratadas perante a sociedade como ser humano pleno que são, em todas as situações ou circunstâncias. 

Quando, no curso de uma audiência, o advogado do acusado enuncia que “jamais teria uma filha do nível dela”, se referindo à Mariana Ferrer, fazendo menção e exibindo, ainda, fotografias da vida pessoal da denunciante, constata-se que o princípio mor da vida em comunidade é completamente arruinado. Daí a necessidade de intervenções coibidoras da ação despropositada – e criminosa. 

Ressalta-se que a nova legislação não tem como foco exclusivo apenas ao amparo em hipóteses de violência sexual, aplicando-se para toda e qualquer audiência de instrução e julgamento, entretanto, concede particular acolhimento a estes casos, uma vez que ampliou de um terço até a metade a pena em cenário de crime de coação no curso do processo quando os autos envolverem delitos contra a dignidade sexual. 

Inclui-se, nesta condição, as transgressões de importunação sexual, assédio sexual, estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude e outros. Por assim dizer, a Lei n.º 14.245/2021 estipula restrições à atuação dos sujeitos processuais, impedindo, agora declaradamente, que sejam dirigidas ao processo, temáticas que não guardem conexão com o objeto dos autos, aspirando tão somente depreciar a vítima. 

Na obra literária “As Mulheres Invisíveis”, de Maria Madeiro, a autora enuncia que a violência contra a mulher sempre ocorreu, em todos os níveis sociais. Quando se observa a desvalorização e menosprezo destinados às mulheres em local que deveria protegê-las, nota-se que Maria conserva-se atualíssima. 

À vista disso, parafraseando outra Maria, esta Simão Torres: “Que todas as Mulheres, não só hoje, mas todos os dias, sejam livres de qualquer violência e que não lhe sejam negados direitos a vida. Que sejam associadas a respeito e dignidade”. A norma serve como marcha em direção a este lugar melhor. 

Para mais informações sobre a responsabilização civil, penal e administrativa do infrator que comete ato atentatório à dignidade da vítima ou de testemunhas no curso de uma audiência de instrução e julgamento, acesse o Blog do Colunista Iuri Cavalcante Reis no site www.cavalcantereis.adv.br e deixe suas dúvidas nos comentários ou através do e-mail iuri@cavalcantereis.adv.br. Artigo escrito em coautoria com a advogada Thaynná de Oliveira Passos Correia, da equipe do Cavalcante Reis Advogados. (Instagram @Cavalcantereisadvs

Autor: Dr. Iuri Cavalcante, CEO do Escritório Cavalcante Reis

Coautora: Dra. Thaynná Passos, Advogada Associada do Escritório Cavalcante Reis

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