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DEFENSORIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. É possível, Nunes Marques?

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por nove votos a um, decidiu que as Defensorias Públicas não têm o monopólio de assistência jurídica aos hipossuficientes. Com a recente decisão, os Municípios também podem criar o seu próprio serviço municipal de atendimento judiciário para defender os interesses de quem não têm condições de contratar um advogado particular sem prejuízo do seu próprio sustento. 

O entendimento foi prolatado na última quarta-feira, dia 03.11.2021, após o julgamento da ação ajuizada pela Procuradoria Geral da República (Ministério Público), que alegou que as Leis Municipais n.º 735/1983 e n.º 106/1999, que conceberam a Assistência Judiciária de Diadema, cidade do Estado de São Paulo, ferem a Constituição Federal. 

A PGR enunciou que Municípios não detêm o poder de legislar acerca de matérias que envolvem assistência jurídica e Defensoria Pública. Para tanto, Augusto Aras deu destaque ao artigo 24, inciso XIII, da Constituição, que prevê a competência concorrente da União e dos Estados da federação para se ocupar da matéria. 

O voto vencedor, da Ministra Carmen Lúcia, salientou que o Estado possui o dever de garantir assistência judiciária gratuita aos necessitados, tornando mais eficiente o acesso à justiça, entretanto, se olvidou dos problemas que a deliberação pode causar. O parecer da Relatora foi seguido pelos Ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux. 

A grande adversidade está no fato de que certos serviços públicos devem ser prestados, somente, por determinados entes da federação. Como exemplo, a permissão para construir é de competência exclusiva dos Municípios, assim como o licenciamento de veículo é de alçada dos Estados e a concessão de serviços de energia elétrica cabe à União. Tudo isso está previsto na Constituição Federal de 1988. 

A repartição de competências foi muito bem observada no único voto vencido, da lavra do Ministro Kássio Nunes Marques. O Ministro piauiense deliberou pela inconstitucionalidade das mencionadas leis do Município de Diadema. Acertadamente, Nunes Marques declarou que as regulamentações da Municipalidade originam uma verdadeira Defensoria Pública Municipal, o que é inconstitucional. 

Não obstante, enunciou que o precedente é capaz de gerar uma autêntica desordem, ao passo que estimula os mais de cinco mil Municípios brasileiros – mais precisamente cinco mil quinhentos e sessenta e oito – a elaborarem órgãos parecidos, dando extensa margem a irregularidades (inclusive de ordem fiscal). 

Importante salientar que o Ministro não se olvidou da necessidade de ampliação da assistência jurídica à população carente, todavia, reverberou que o remédio para tanto não é criar o tal “Atendimento Jurídico Municipal”, instituto claramente impróprio, mas a contratação de mais Defensores Públicos (pelos Estados e DF) aptos e habilitados a salvaguardar os hipossuficientes. 

O voto solitário de Kássio Nunes, muito embora tenha sido percebido como “um grão de areia na praia”, atende cabalmente o texto legal, dado que a institucionalização de Defensorias Públicas Municipais é analisada como violação aos direitos humanos, princípio fundamental dos cidadãos. Não entendeu nada? Eu explico! 

O Brasil, com sua independência e soberania, optou por subordinar-se a diversos tratados internacionais que versam sobre a garantia às prerrogativas da pessoa humana. Neste contexto, ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos – apelidado de Pacto de San José da Costa Rica (Decreto n.º 678/92), cuja violação dos dispositivos é apta a gerar responsabilização internacional. 

O Pacto de San José da Costa Rica, por sua vez, destaca que todo indivíduo tem o direito de ser assistido por defensor patrocinado pelo Estado, o que se harmoniza ao artigo 134 da Constituição Federal, que prevê que a Defensoria Pública é instituição permanente do Estado como País, além dos estados da federação e do Distrito Federal. 

Segundo a CF/88, portanto, apenas a União pode legislar, de maneira geral, acerca da instituição de defensorias públicas, com suplementação estadual em dispositivos específicos. Tão logo, nos termos do voto vencido do Ministro Nunes Marques, a criação destes institutos em esfera municipal pode desencadear uma manifesta violação aos direitos humanos, o que deve ser observado pelo Gestor Público Municipal. 

Muitas ilegalidades podem surgir com a criação do serviço de assistência jurídica em cada um dos milhares de Municípios. Mas não só, considera-se, ainda, a inexistência, por parte da citada “Defensoria Pública Municipal”, de inúmeras premissas para acesso à justiça igualitária. 

Com efeito, a prestação da assistência jurídica, integral e gratuita, prevista no capítulo da Constituição destinado aos Direitos e Garantias Fundamentais, é protegida por cláusula pétrea. 

Por assim dizer, qualquer transformação capaz de ameaçar o direito fundamental, incluindo, nesta senda, a concepção de Defensoria Pública Municipal ou Assistência Jurídica Municipal (como intitulado pelos Ministros do STF), é antijurídica, ainda mais por enfraquecer as Defensorias Públicas existentes de acordo com a norma (da União e dos estados), instituições que efetivam o acesso à justiça de tantos brasileiros. 

É fato, portanto, que o constituinte originário já fixou repartição rígida e limitada de competência entre os entes federativos, de maneira a não autorizar, aos Municípios, estipulação sobre Defensoria Pública, ação que fere, tal qual demonstrado, princípios constitucionais sensíveis. 

O artigo 24, inciso XIII, por exemplo, fixou a competência concorrente para União, estados e Distrito Federal – apenas – legislarem acerca da assistência jurídica e Defensoria Pública. Ilusória, consequentemente, a perspectiva de competência legislativa ou material de entes Municipais para a instituição de suas próprias Defensorias. 

Evidencia-se, à vista disso, que além da competência residual concedida aos estados-membros, estes detêm atribuição concorrente com a União para a instauração de Defensorias Públicas. Ao contrário, quanto aos Municípios, não há qualquer disposição, direta ou, ao menos, indireta, que propicie eventual assistência jurídica ou Defensorias Públicas Municipais. 

Para além, qualquer encolhimento das competências legislativas ou materiais dos estados-membros também significa deformação na sistemática de distribuição de competência e, como resultado, ameaça ao modelo federativo do País, previsto pelo Constituinte Original, o que também é cláusula pétrea, isto é, hábil para modificação apenas com a edição de nova Constituição Federal. 

Não por acaso, não há Poder Judiciário Municipal, tampouco Ministério Público Municipal. Da mesma maneira, é imprópria a geração de uma Defensoria Pública Municipal, que vai de encontro – e não ao encontro – com o sistema político-administrativo. 

Assim sendo, constata-se que apenas mediante as Defensorias Públicas da União e dos Estados/DF, que dispõem de amparo constitucional e orçamento mais robusto, cercadas de prerrogativas, há instrumentalização e existência dos direitos humanos. Por isso, nota-se que o Supremo Tribunal andou mal em autorizar a institucionalização do “serviço de assistência jurídica municipal”. 

Contudo, o operador do direito deve seguir e respeitar as decisões da Suprema Corte, ainda que no seu entendimento destoe do texto constitucional. Segundo um provérbio chinês, é bom que se diga que “Todos os fatos têm três versões: a sua, a minha e a verdadeira”. 

Diante do atual retrato, a partir da decisão do STF, é fato que muitos Gestores Públicos Municipais irão instituir o serviço público de assistência jurídica caso tenham orçamento disponível para tanto, na medida em que se trata de uma importante forma de angariar o apoio político da população carente. 

Ou seja, muito embora a Lei que institui o serviço de assistência jurídica no Município de Diadema/SP possa destoar do texto constitucional, a partir da decisão do STF desta semana, é fato notório que a institucionalização do serviço de assistência jurídica gratuita municipal se tornará um importante instrumento para os Prefeitos que pretendem se reeleger. 

Por certo, cada pessoa impactada positivamente pelo aumento do acesso à justiça se tornará um importante eleitor, ainda mais em Municípios do interior do Brasil, onde muitas eleições são definidas por 50, 200 ou 500 votos de diferença. 

O Princípio da Legalidade é uma das maiores garantias para os gestores frente o Poder Público. Ele representa total subordinação do Poder Público à previsão legal e as decisões do STF, visto que, os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. 

Assim, diante do atual entendimento do Supremo Tribunal, os Gestores Municipais possuem o sinal verde para instituir os serviços de assistência jurídica municipal gratuita aos mais pobres, criando os parâmetros e requisitos que definirão quais são os munícipes que podem ou não usufruir do benefício público, como o limite máximo de renda familiar, por exemplo. 

Para mais informações sobre como o seu Município pode se organizar e criar o serviço de assistência jurídica municipal, acesse o Blog do Colunista Iuri Cavalcante Reis no site www.cavalcantereis.adv.br e deixe suas dúvidas nos comentários ou através do e-mail iuri@cavalcantereis.adv.br. Artigo escrito em coautoria com a advogada Thaynná de Oliveira Passos Correia, da equipe do Cavalcante Reis Advogados (Instagram: @cavalcantereisadvs). 

Link para o artigo no Jornal a Gazeta do Amapá: https://agazetadoamapa.com.br/coluna/1637/defensorias-publicas-municipais-e-possivel-nunes-marques

Autor: Dr. Iuri Cavalcante, CEO do Escritório Cavalcante Reis

Coautora: Dra. Thaynná Passos, Advogada Associada do Escritório Cavalcante Reis

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07/11/2021

DEFENSORIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. É possível, Nunes Marques?

Nossa coluna semanal no Jornal A Gazeta do Amapá, veiculada na edição de domingo (07/11/2021)

COLUNA IURI CAVALCANTE REIS

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